segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Modernidade Sim! Esculhambação Não!

Modernidade Sim! Esculhambação não!


É flagrante a queda de nível em alguns ritmos da música brasileira. O Brasil é conhecido mundialmente pela sua diversidade de ritmos musicais. Nenhum outro país do globo é tão rico musicalmente com ritmos regionais. O Forró do nordeste como um todo, o Maracatu de Pernambuco, o Bumba-meu-Boi do Maranhão, O Boi Bumbá do Amazonas, a música gaúcha no caso do Rio Grande do Sul são alguns dos exemplos que podemos citar.
Entretanto, o que assistimos nos últimos anos, é uma depredação e porque não dizer, uma deturpação de vários ritmos e da música brasileira como um todo. A modernidade trouxe muito mais pobreza do que enriquecimento musical, ao menos no caso brasileiro. Senão, vejamos:
No exterior, freqüentemente a imagem do Brasil é associada ao samba e ao futebol. Com isso, grandes nomes como Cartola, Alcione, Almir Guineto, Zeca Pagodinho, Neguinho da Beija Flor, Martinho da Vila, Beth Carvalho, Clara Nunes, Chico Buarque etc... surgiram e fizeram sucesso. A riqueza das letras que surgiram é notável. Na década de 60 e 70, várias dos sambas que surgiram inclusive, falavam da Ditadura Militar, que sufocava o povo brasileiro na proibição de suas liberdades individuais tais como, Liberdade de Expressão, proibição da existência de Partidos de Esquerda, sindicatos, manifestações públicas etc... .Toda a obra artística, fosse ela, musical, teatral, plástica ou literária, tinha que passar pelo crivo da censura, que aliás era rigorosa. A música se tornou uma válvula de escape para vários de nossos artistas e sambas como “Quando o Carnaval Chegar” de Chico Buarque eram a mais clara imagem da realidade política e social do país. O carnaval do título na realidade era uma alusão à democracia. Lamentavelmente o nome carnaval teve que ser usado para “driblar” a censura do regime.
Vários jornais tinham em sua redação um “censor”, termo utilizado para denominar o representante do regime que trabalhava para a censura. E só era publicado o que era autorizado pelo mesmo. Críticas ao governo, nem pensar. Escândalos que atingissem o regime, menos ainda. Muitos foram mortos ou exilados do país, simplesmente porque gritavam por liberdade. E a música, apesar de todo o controle do Estado, foi um importante elemento de conscientização a respeito da realidade vivida por nosso país, além de servir como um desabafo que não era apenas de um grupo de artistas, mas de toda a sociedade.
Os sambas que vemos hoje, que muitos preferem chamar de Pagode, podem parecer normais para alguns, mas se comparados em termos musicais e de letra aos sambas do passado, é de uma pobreza de conteúdo, sem limites.
Quanto ao Forró, historicamente sempre foi como a divulgação do dia-a-dia do nordestino. O chamado Forró-pé-de-Serra, bem como o Xote nada mais são do que o Forró original produzido nos mais longínquos rincões do nosso país. Suas letras falam dos problemas sociais, das angústias, da falta de chuva que atinge boa parte do povo daquela região do país. Asa Branca, de Luiz Gonzaga é um forte exemplo disso, vejam abaixo:

1-Quando oiei a terra ardendo
qual fogueira de São João
Eu perguntei, ai a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação.
2-Que braseiro, que fornalha
Nem um pé de plantação
Por falta d'água perdi meu gado
morreu de sede meu alazão.
3-Até mesmo a asa brancaBateu asas do sertão
Então eu disse adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração.
4-Hoje longe muitas léguas
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Para eu voltar pro meu sertão.
5-Quando o verde dos teus oios
Se espalhar na plantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu
Meu coração.

Asa Branca, que dá nome à música, é uma ave típica da região. Uma música que retrata um grave problema social até hoje existente. Pergunto: Quai das bandas de forró da atualidade, fala de questões como essa em suas músicas? As bandas de Forró de hoje, prestam um desserviço à música e até mesmo à cultura do seu próprio povo, o nordestino, pois deixam de retratar tal situação para falar de amenidades, ou o pior, de chifres (traições). Isto sem falar na apelação sexual onde a mulher é frequentemente colocada apenas como um objeto sexual e a modificação do ritmo original com o Forró Eletrônico. Não sou contra modificações e muito menos contra a modernidade. Mas nesse caso, descaracteriza todo o ritmo e ataca a cultura daquela região do país. Tudo isso fruto da ganância de produtores e artistas, ávidos por dinheiro, que imaginam que assim poderão enriquecer mais rapidamente com maior venda de CD’s/DVD”s.
O próprio Rock não é mais aquele. E quem viveu a Geração Anos 80, sabe disso. Uma década que foi a responsável pelo surgimento de nomes como: Blitz, Bíquini Cavadão, Titãs, Barão Vermelho, Plebe Rude, Engenheiros do Hawaii, Capital Inicial, Zero, Nenhum de Nós, Legião Urbana etc... , hoje vive um momento um tanto quanto delicado, pelo menos em termos. Saem as letras que falavam de questões sociais e políticas que conscientizavam os ouvintes, como era o caso dos referidos anos citados aqui, e mais uma vez entram as ditas amenidades das letras roqueiras de hoje em dia que só falam de amores correspondidos ou não. Não sou contra que se fale disso. Nos anos 80 mesmo, várias músicas abordavam tal assunto. O que sou contra e acho terrível, é que se fale apenas disso como se a vida apenas isso fosse. Como se tivéssemos apenas este assunto para tratar em nossas músicas. Sei que o romantismo vende. Tudo bem, que abordem o tema se a intenção é vender DVD. Mas que tratemos também de outros assuntos igualmente importantes.
No caso do sertanejo, é outro problema crônico. A deturpação é tão grande quanto a que ocorre no Forró. As letras que outrora tratavam da cultura do “Homem do Campo”, hoje em nada tem haver com isso. E o sertanejo de raiz está acabando.
Alguns analistas musicais dizem que tudo é uma questão de conjuntura. No caso da ditadura, como havia uma grande repressão às liberdades individuais, a inspiração era maior. Duvido muito. E como se explica o conteúdo rico das músicas anteriores a esta época? E o que me preocupa é que as crianças e jovens de hoje serão os artistas de amanhã. Muitos inclusive já batalham no meio artístico. E como produzir arte, música de qualidade sendo que para a maioria deles o que está na crista da onda no momento é tudo isso do que estou falando? Como hoje em dia nada ou pouco se tem da alma musical de Luiz Gonzaga, da poesia de um Renato Russo, da rebeldia positiva de um Cazuza ou de um espírito caípira de um Tonico e Tinoco, dificilmente produzirão algo de igual qualidade.
Não quero aqui, ferir os gostos e mexer com os brios de ninguém. Não é essa a intenção. Quero dizer que respeito os gostos e opiniões de cada um, de cada Ser Humano. Sei que o NRDR embora seja eminentemente um Blog que do ponto de vista musical fale muito mais de Rock, é lido por pessoas que apreciam outros ritmos musicais onde muitas das mesmas gostam inclusive de artistas e bandas que infelizmente estão promovendo toda essa problemática para a música tupiniquim. E a visita virtual de todos vocês é importante para nós. Sem isso não sobrevivemos como tal. E cada um tem o direito de gostar ou não do que quiser e ninguém tem nada haver com isso. Mas isso não quer dizer que eu não possa ter a minha opinião e não possa aqui expressá-la. Eu mesmo, não gosto só de Rock. Gosto de MPB, de Forró e de Sertanejo. Mas de raiz. E isso, porque sou um apreciador da cultura e sei que ela se manifesta das mais diversas formas, inclusive nos mais diversos ritmos musicais e não apenas em um. Assim sendo, o debate está aberto.
Para quem quiser saber mais sobre essa página lamentável da nossa história que foi a Ditadura Militar deixo aqui algumas dicas cinematográficas tais como: Eles não Usam Black-Tie, O Ano em que meus Pais Saíram de Férias, Lamarca e Zuzu Angel.

Abraços a todos;
Carlos Henrique.

7 comentários:

Cristiano Porfirio disse...

Carlão, vc estreou com propriedade hein?

Ótimo texto, dissecando em nuances a MPB em qualquer dos seus estilos. Parabéns! Achei o "Ouro" vc não ter citado o tal Axé, pq isso não tem vínculo com nada bom que existia ou existe musicalmente no país, é um gênero que nasceu, continua e sempre será ruim!

É o que eu costumo dizer: A pessoa pode gostar de música ruim, eu mesmo gosto de umas bandas meia boca, mas tenha o bom senso de saber que aquilo só presta como diversão e não como música! E nem preciso citar o que é ruim, pq mídia estão aí para falar por mim.

Mais uma vez Carlão, parabéns e seja bem vindo ao N.R.D.R.

Anônimo disse...

Carlos,
Concordo contigo em genero numero e grau!
Eu sou oitentantista nao so por opcao, mas poucas coisas foram me acrescentadas nas decadas posteriores a essa.
Sou fa de forro, samba, e posso sentir na pele o que tu diz ae... Nem gosto de pensar em comparar Asa Branca com qq uma das musicas do Calcinha preta... huahauha
Enfim, eh uma pena que a cultura no Brasil tenha vestido essa viseira, e perdido a amplitude do que eh ser brasileiro.
Congratulacoes!
Dan

Anônimo disse...

Cristiano;

Não citei o axé, exatamente pelas razões expostas por vc. E temos mesmo que separar o que é diversão pura e simplesmente do que além de ser diversão é também cultura.

Abraço;
Carlos Henrique.

Anônimo disse...

Daniel;

Obrigado por suas palavras. Somos saudocistas de uma época muito legal. Considera Asa Branca o segundo Hino Nacional. Não que hj não tenhamos nada de bom, mas infelizmente a maioria dos artistas que vc fazem sucesso são de qualidade duvidosa.

Abraços;
Carlos Henrique.

Anônimo disse...

Obrigado Cristiano

Anônimo disse...

Gente fiquei impressionada!
Parabens e seja bem vindo,compartilhe sempre de suas ideias aqui pq virei sempre ler!
Gostei muitíssimo do texto que retrata a realidade musical do Brasil,essa deterioração toda que vem acontecendo ja ha algum tempo!Infelizmente so parece piorar!
Parabens

Anônimo disse...

Hannah;

Muito obrigado tanto pelo elogio ao texto como também como também pelo bem vindo. Há muito eu contribuia com o blog aqui nos comentários. Mas com postagem foi a primeira vez. Escrevi outro texto falando de cultura. Vc já deve ter visto, mas se ainda não, fica aqui o convite.

Um abraço;
Carlos Henrique.

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